31 de mar. de 2016

Conto: Um Livro




Estava eu em uma estante junto com tantos outros. Não estava entre os destaques, Minha capa não estava à mostra. Para ler meu conteúdo era preciso me encontrar, uma procura infrutífera a principio. Sentia tédio. Muitos dias se passavam e eu continuava ali esperando, esperando, esperando... Preocupava-me em saber por quanto tempo meu cheiro de novo duraria.

Acompanhava os livros internacionais chegarem e partirem, mal conseguia conhece-los. Muitos títulos, muitos autores, todos bem cuidados e eu de lado.

Houve um dia que um intrépido ser me segurou em suas mãos receosas. Observou minha capa, leu minha contra capa e me folheou sem respeito. Quis conhecer meu final sem se apresentar, foi impaciente e por alguma razão não me escolheu, talvez minha capa não o tenha agradado, e eu preferi assim, não seria um bom leitor para mim.

Outro dia avistei um bom leitor em potencial. Olhar inteligente, bem vestido, até óculos usava. Não parecia saber o que procurava. Todos os livros pareciam atraentes, mas não demorava em coloca-los de volta em seus lugares, e finalmente chegou a mim. Estava preparado a me exibir da melhor forma que conhecia. Novamente minha capa foi analisada, minhas paginas folheadas, mas eu também não gostei. Orelhas e amassados foram deixados, suas mãos sujas e gordurosas me mancharam, torcia para ser logo solto e meu desejo foi atendido, porém, não da forma que gostaria. Escorreguei de sua mão e cai ao chão. Ele percebeu que ninguém havia visto e colocou de volta ao meu lugar como se nada tivesse acontecido, mas suas marcas em mim ficariam para sempre.

Naquele mesmo dia recebi outra visita, um pouco melhor que a anterior, mas novamente fui julgado e condenado a continuar onde não queria mais estar. Nesse momento comecei a acreditar que seria transferido para outra sessão, aquela que guarda os que nunca mais voltam. Ficaria só para todo o sempre sem ao menos uma única pessoa ter me conhecido. Ninguém saberia o que eu tinha a dizer.

Quando menos esperei uma mão jovem me encontrou. Mãos curiosas seguravam com firmeza sem se importar com minha capa e minhas marcas, parecia já me conhecer, estava decidido a me levar. Levou-me para casa e todos os dias lia um pouco as minhas palavras, levava para onde ia, no ônibus, em filas, qualquer lugar que parasse era uma oportunidade de me reencontrar, mas em dia chuvoso estava muito preocupado em não se molhar, o guarda-chuva pegou para se proteger, enquanto se preparava para descer do ônibus me esqueceu, e eu ali fiquei, no lugar vazio ao seu lado onde estava sentado, ele não conheceria meu final, não com minha voz.


Para mim tudo estava perdido, mas o próximo ponto chegou e uma jovem e bela mulher me encontrou, se perguntou quem poderia ter me deixado, não encontrou meu antigo dono e decidiu me adotar, e ali mesmo naquele ônibus começamos a nos conhecer e criamos nossos primeiros laços. Ela gostou de mim, lia com velocidade, queria saber mais sobre mim e assim seguimos. Com o passar dos dias ela conheceu meu final e eu estava realizado. Depositou-me cuidadosamente em uma estante junto com vários outros livros e cuidava de todos nós de poeiras e outros intemperes da vida. Ali estava feliz, mas percebi que ali continuaria. Seus livros eram preciosos e não deixava outras pessoas se aproximarem. Cheguei à conclusão observando ao meu redor que mais ninguém conheceria minha voz, sentiria meu cheiro... Meu conteúdo ficaria estagnado em uma estante durante muito tempo e sem esperanças de mudar. Estava vivo e permanente nela, mas esse seria o meu fim...






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